quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

CAIO PRADO JÚNIOR E A REPUBLICANIZAÇÃO DO ESTADO: um projeto socialista para o Brasil é preciso

Após quinhentos e mais alguns anos de “história reconhecida”, descontados os cerca de 40 mil anos de história propriamente dita, de acordo com os achados arqueológicos da Serra das Capivaras, em São Raimundo Nonato, no vizinho Estado do Piauí, o Brasil ainda não se encontrou consigo mesmo.

Nestas ondas longas do tempo histórico, na verve braudeliana, nós, brasileiros, deveríamos aguçar nossa sensibilidade para as coisas de nosso país, para percebermos a existência de um verdadeiro “mal-estar”, de algo que incomoda aqueles que objetivam compreender a realidade histórica, a nossa formação social, as deformações congênitas que vêm sendo perpetuadas na construção desta grande nação tropical.

Para o economista e professor da Unicamp, Plínio de Arruda Sampaio Júnior, se for mantida a dependência do Brasil às determinações do capital internacional, como se viu ao longo de sua história, o país, por mais ufanismo que o governo possa alardear, poderá ser arrastado, novamente, nesta conjuntura em que persiste mais uma crise estrutural do capitalismo, mesmo que a mídia tente passar a idéia de que tal crise já passou. Na realidade, a crise se mantém com a ocorrência de novos desdobramentos a exemplo dos que foram noticiados nos últimos dias “Crise na Europa e incerteza nos EUA derrubam as bolsas”, “Queda das commodities intensifica perda no país” e, por fim, “BC reforça expectativa de que vai aumentar os juros”

Com a recorrência da crise, está em jogo a capacidade de liderança e transformação que a esquerda socialista autêntica que não se entregou às determinações do capital transnacional terá no que diz respeito a lançar as bases sólidas de um projeto socialista para o Brasil. Esse dilema histórico não é de hoje. Caio Prado Júnior, paulista de boa estirpe, mas com alma revolucionária, refletindo sobre o Brasil, algumas décadas atrás, já o assinalava e propunha a refundação da res publica na terra brasilis.

Ao proferir o seu grave juízo sobre o papel das elites dominantes na nossa formação econômica e social, Caio Prado as acusa de terem mantido intactas as “grandes e fundamentais questões que se propõem no Brasil desde longas datas”. Para este grande brasileiro, do equacionamento destas questões “depende a integração da nação brasileira nos níveis da civilização deste século em que vivemos”. Da essência do pensamento de Prado, destacamos a perspectiva da necessidade histórica de construção de um novo ciclo histórico, em que a construção da nação brasileira seja a garantia do atendimento dos direitos e das necessidades centenárias de seu povo.

O humanista e democrático Caio Prado, na sua condição de homem de letras, mas também de ação política militante, exigia uma Nação para os brasileiros, uma construção cívica, apoiada, no dizer do historiador Raimundo Santos, “no tripé formado pela força do trabalhador livre, da opinião pública e dos partidos”. O campo de luta em torno dos desígnios da República era percebido por Prado, que queria a sua “republicanização”, ou seja, a verdadeira constituição de uma esfera pública democrática e transparente em nosso país. Para superar a persistência das mazelas estruturantes da vida nacional, Caio Prado queria desencadear um processo civilizador, republicano e integrador do povo brasileiro.

Essa idéia de uma espécie de refundação do Brasil, “nos autoriza a pensar […] pela primeira vez, [que] os dominados estão fazendo história. O Brasil pode sair de um longo ciclo iniciado com a Revolução de 30, de uma “história passiva”, conduzida pelos blocos dominantes, para uma história ativa, em que os dominados dão uma marca muito forte na política do Estado”. Quem nos diz isso é Chico de Oliveira, luminar da Sociologia no Brasil, e que, enquanto durou o governo de FHC, manteve uma crítica profunda e pertinente às suas políticas desintegradoras do patrimônio nacional, da nossa soberania, do aumento da exclusão social a olhos vistos, do seu descompromisso com as grandes causas do povo brasileiro.

Chico de Oliveira quer nos mostrar que a refundação do Brasil, a constituição de uma efetiva res publica será realizada com sucesso na medida em que, de fato, os setores dominados da sociedade puderem expressar as suas marcas no cotidiano do governo, na implementação de políticas públicas de superação desse atraso centenário que teima em perseguir aqueles que não têm nem como reagir, dada a precariedade de suas vidas, completamente abandonadas pelo Estado.

Em face de tudo isso, devemos incluir o direito a uma espécie de reproclamação da república, de uma república democrática e livre, onde o espaço público da política seja plenamente exercido por toda a cidadania ativa no dizer do jovem Karl Marx, não apenas pelos endinheirados e seu poder econômico que maculam a vontade soberana do povo, a exemplo dos corrompidos processos eleitorais burgueses que mistificam e manipulam as consciências das massas.

Nestes termos, a esquerda socialista autêntica que lidera o processo de reconstrução da luta política e dos novos instrumentos da reorganização do movimento social em nosso país após a débâcle do mensaleiro e sanguessuga PT e de seus satélites, deve enfrentar o desafio histórico apresentando um projeto socialista para o Brasil, trazendo para o seu lado as massas espoliadas e os lutadores sociais que mantêm sua utopia de uma sociedade igualitária e democrática.

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