Este pequeno texto pretende estabelecer os termos da relação do Estado com o movimento sindical, buscando compreender o conceito de trabalhismo, como uma ideologia de controle social sobre a classe trabalhadora, através da implantação de uma estrutura sindical fortemente vinculada ao Estado e seus desdobramentos no centro e na periferia do capitalismo brasileiro, especificamente no âmbito da formação social maranhense e da sua diminuta classe operária de meados dos anos 50 do século XX.
No Maranhão, temos como exemplo a Greve de 51, que rebentou na capital, São Luís, entre os meses de fevereiro e outubro de 1951, como desdobramento à disputa pelo governo estadual e pelo controle do aparato estatal, entre as forças políticas oligárquicas ligadas ao senador Vitorino Freire (PST) e as Oposições Coligadas (PR, UDN, PSD, PL, PSP, PTB), representativos de outros setores oligárquicos da política maranhense. Quando este mesmo povo se projeta para a arena da história, como o faz no Maranhão, em 1951, sem dúvida, ele constitui uma dimensão nova para os desdobramentos do jogo político até então comum às elites clientelistas, filhas diletas do mandonismo oligárquico (RIBEIRO, 2001).
As premissas lançadas aqui partirão dos acontecimentos vinculados à Greve de 51, com a participação ativa de operários industriais, comerciários, gráficos, estivadores, têxteis, trabalhadores das empresas urbanas e outras categorias profissionais, distribuídos em trinta e sete sindicatos de trabalhadores e dez associações rurais.
Ressalta-se que a questão oligárquica quando é abordada no tratamento da implantação do sistema corporativo e da utilização do ideário do trabalhismo no Brasil, não tem sido no mais das vezes, levada em conta pela literatura. As abordagens, via de regra, se referem às oligarquias em plano nacional, antes mesmo de adentrar nos aspectos particulares de cada formação social regional, como é o caso do Maranhão.
Numa primeira tentativa de aproximação teórica entre os conceitos de trabalhismo e oligarquia, almejamos destacar aspectos particulares da formação social maranhense, no que diz respeito à existência, nos anos 50, de um parque fabril então profundamente decadente, sem competitividade com o centro dinâmico do capitalismo brasileiro, caracterizando-se, portanto, pela existência de um proletariado pouco expressivo e bastante vinculado às determinações do sistema corporativo implantado no país, sofregamente utilizado pelas oligarquias no seu processo histórico de consolidação de seu poder político, através do uso das “posições oficiais” no aparelho do Estado.
As oligarquias maranhenses, ao longo do tempo, mas especificamente nos anos 50, estabelecem este consenso à imagem e semelhança de seus interesses imediatos e históricos e se preparam para determinados e raros momentos de dissenso, como este relacionado à eclosão da Greve de 51 em que, por mais tênue que tenha sido, observa-se uma possibilidade de aprofundamento da contradição e ruptura.
O domínio do Estado, particularmente o Estado oligárquico, sobre as representações políticas e sobre a ideologia do proletariado, representa uma das várias facetas em que este domínio e controle social se projetam sobre o conjunto da sociedade, produzindo uma classe operária, de certo modo, funcional à reprodução sistêmica do capitalismo, mesmo que em bases periféricas e atrasadas.
Pretende-se, desta forma, fazer uma breve digressão quanto às mudanças no padrão da ação sindical no nosso país ao longo do século XX, discorrendo com mais vagar a respeito da realidade maranhense. Cumprir-se-á esta análise com uma discussão sobre a utilização dos conceitos de controle social, trabalhismo e oligarquia como elementos analíticos aplicados à realidade concreta do Maranhão de meados da década de 1950.
Paralisações, greves e outras formas de lutas expressaram um tipo de enfrentamento social que nunca deixou de existir junto dos objetivos do trabalhismo de minimizar e subordinar o conflito. Convictos do seu intento, os ideólogos e operadores do trabalhismo não deixaram de utilizar os instrumentos de controle e repressão garantidos pelo financiamento dos empresários, dos partidos e do próprio governo.
A tentativa de fazer valer a experiência e as práticas políticas dos trabalhadores à sua representação sindical colidia com os interesses do patronato frente ao direito do proletariado a buscar refúgio em seus próprios sindicatos para garantir a dignidade do trabalho, lutar por conquistas previstas em lei ou, apenas reivindicar salários. Propiciar vez e voz a essa mencionada experiência fazia com que o sindicalismo trabalhista desenvolvesse campanhas políticas, mais ou menos radicalizadas, levando ao acirramento dos conflitos de classe em muitos momentos da história (GOMES, 1988).
A Consolidação das Leis Trabalhistas e suas derivações representavam um sistema ambíguo que reconhecia e regulamentava os direitos sociais, mas que inibia as lutas por melhores condições salariais e de trabalho, aprofundando o sistema de controle do capital, sem que isto não tivesse sido contestado.
Esse modelo de controle foi criticado e contestado na luta direta pelos sindicalistas que resistiram até meados dos anos 30 (MARTINS, 1989). No entanto, o sistema se revelou uma das instituições mais estáveis da sociedade brasileira. O corporativismo e o trabalhismo conviveram com a Constituição de 1946, pluralidade partidária, bipartidarismo de 1964, Nova República, Era FHC e Lula. Ressalta-se a ligação essencial entre o Estado e a reprodução do capital, neste contexto de construção e desenvolvimento do sistema corporativo e do trabalhismo no Brasil (ANTUNES 2002).
Concomitante a estes aspectos procura-se demonstrar as limitações constitutivas do proletariado maranhense, mas, ao mesmo tempo, mostrar a vitalidade e o potencial demonstrado pelas massas urbanas de São Luís, que tentaram quebrar o poderio inconteste das oligarquias regionais, enredadas que estavam na disputa vigente no decorrer da Greve de 51. As massas foram protagonistas deste momento ímpar e deram uma grande demonstração das suas possibilidades históricas.
O proletariado ludovicense, inserido nos marcos da influência do trabalhismo como ideologia de controle social, dadas as relações políticas das oligarquias regionais com o centro do poder do Estado, a nível federal, no meio das brumas das incertezas almejou, com algum nível de independência, chegar a um porto seguro onde seus direitos mais elementares pudessem ser assegurados, sem que para isso tivessem que repetir a roda da subserviência ou sentir o peso e a violência da botina do patrão ou da polícia.
O jornalista carioca Doutel de Andrade que acompanhou de perto o desfecho da crise de 1951, o que fica é a retomada do ritmo normal da vida provinciana, inclusive as velhas práticas de cooptação política comuns aos estratos oligárquicos.
Revendo os acontecimentos da Greve de 51, compreendendo-a como parte do contexto de implementação do ideário trabalhista no Brasil, podemos perceber a força que pode ter o proletariado quando resolve construir seu próprio caminho, livre das amarras das classes dominantes em suas mais diferentes acepções, quer seja a burguesia industrial, a burguesia financeira ou os grupos oligárquicos que se perpetuam nestas paragens.
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